terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A rábula da classificação

Sacrificar a verdade pela sobrevivência
Talvez movida simplesmente pelo instinto de sobrevivência, a comunicação social, que deveria ser isenta e imparcial, tem brindado o seu público, ao longo dos anos, com cada vez mais demonstrações de compadrio, de subserviência e de clubite aguda.
No caso da imprensa desportiva, o último acto veio a cena esta segunda-feira, tendo como actor principal o jornal Record, do conhecido benfiquista João Querido Manha (JQM), e como enredo a tabela classificativa da Liga.
Sporting e Benfica têm ambos 26 pontos, disputaram até agora apenas um jogo entre si, que acabou empatado a um golo, mas há um critério momentâneo que pesa claramente a favor dos leões: a diferença entre golos marcados e sofridos que no caso da turma de Alvalade é de +19 e no dos encarnados é de +12.
Se visitarmos o site da Liga Portuguesa de Futebol, entidade responsável pela organização do campeonato, verificamos que ela define os seguintes critérios de desempate entre as equipas:

a) Número de pontos alcançados pelos clubes empatados, no jogo ou jogos que entre si realizaram;
b) Maior diferença entre o número de golos marcados e sofridos pelos clubes empatados, nos jogos entre si;
c) Maior número de golos marcados no estádio do adversário, nos jogos realizados entre si;
d) Maior diferença entre o número de golos marcados e sofridos pelos adversários em toda a competição;
e) Maior número de vitórias em toda a competição;
f) Maior número de golos marcados em toda a competição

No entanto, o editor do jornal Record resolveu adoptar como critério fundamental as alíneas a, b e c, quando ainda falta disputar o jogo no Estádio da Luz. Mas não foi o simples esquecimento das regras que fez o senhor João Querido Manha defender esta ideia, foi simplesmente ter o entendimento de que colocando o Benfica líder na capa do jornal o faria vender mais cópias.
Porque é que eu digo que ele sabe as regras? Porque no seu editorial, JQM dá como exemplo a posição do Benfica no seu grupo da Liga dos Campeões dizendo que "podia ter ganhado por 10-0 em Bruxelas e nunca teria ultrapassado o Olympiacos". 
Se passarmos ao lado do óbvio erro de português, verificamos que aqui JQM já reconhece a importância de terem sido disputados dois jogos entre Benfica e Olympiakos, pois se contasse apenas o primeiro (do qual resultou um empate) a situação do clube encarnado poderia ser diferente.
E depois escrever coisas como "o primeiro critério de desempate numa prova de futebol é o número de pontos somados" quando Sporting e Benfica têm 26 pontos... ou que "se por acaso Benfica e Sporting tivessem empatado, quem estaria no primeiro lugar seria o Porto".
Claro, porque neste caso tem vantagem sobre o Sporting (porque ganhou, não porque empatou com golos em casa do adversário como se isto fosse uma eliminatória europeia) e... factor importante... ainda não jogou com o Benfica.
Mas o artigo de JQM não fica por aqui - como se fosse preciso mais, ainda diz que "se o campeonato terminasse hoje, o Benfica ficaria à frente, mas basta ao Sporting alcançar no Estádio da Luz um resultado melhor que o 1-1 da primeira volta para esta ordem se inverter". 
Então vamos esperar por esse jogo para utilizar esse critério, certo? Nesta altura, o Sporting não está em pé de igualdade nesta matéria, é como um campeonato onde o campeão é determinado só com um jogo e onde o seu único rival ainda não jogou.
"O Record é o único meio de comunicação que explica os critérios de desempate utilizados". Pois é, também o único que mostra descomplexadamente a sua cor clubística.

Rivais de Lisboa juntos na frente

Benfica e Sporting ao despique na Liga
Onze jornadas depois, uma visão pouco vista nestas últimas décadas... os dois rivais de Lisboa, Sporting e Benfica, partilham a frente do campeonato relegando para segundo plano o FC do Porto, crónico campeão desde há 30 anos para cá.
Sinal de recuperação encarnada, de retoma leonina ou de fraqueza azul e branca? Ainda é muito cedo para louvar o trabalho de Jorge Jesus e Leonardo Jardim ou para criticar a caminhada de Paulo Fonseca. Mas os números e exibições das equipas vão dando para já algumas pistas acerca dos pontos positivos e negativos dos três grandes, do que está bem e do que precisa de ser mudado para cada um dos concorrentes triunfar.
O Porto cedeu o primeiro lugar depois de soçobrar em Coimbra, diante de uma Académica que assumiu o risco de procurar a vitória e ganhou.
Uma lufada de ar fresco para um campeonato onde grande parte das equipas ditas "mais pequenas" limitam-se muitas vezes a jogar em bloco baixo, procurando retardar ao máximo o golo do adversário e à espera de um golo milagroso caído do céu.
No entanto, apesar do mérito dos estudantes, é preciso dizer que do outro lado esteve um dragão sem chama, sem arte nem engenho para contrariar as adversidades, pouco acutilante nas zonas de decisão e mais uma vez com falhas incríveis de finalização, como por exemplo na oportunidade que Mangala desperdiçou quase em cima da linha de golo ou no penalti desbaratado por Danilo.
Mais do que vítima dos erros do seu treinador, que parece não conseguir encontrar a fórmula correta a aplicar no meio campo e no ataque, o FC do Porto está a ser vítima de uma época mal preparada, onde grande parte das contratações não estão a corresponder às expectativas de Pinto da Costa e dos seus pares.
Herrera ou Defour não são nem nunca serão João Moutinho, um motor de meio campo que dava rotatividade ao jogo; Josué, apesar de ter um bom pé esquerdo, não faz esquecer James; Lucho mantém a classe mas não é eterno; Quintero é bom mas ainda tem muito para aprender (sobretudo na hora de soltar a bola) e nas alas Licá ou Ricardo não têm justificado a chamada, parecendo curtos para as necessidades e exigências de um candidato ao título.
Vem aí o mercado de Inverno e a administração da SAD portista vai ter oportunidade de corrigir os erros de casting e trazer (verdadeiras) mais-valias para dar ao dragão o poder de fogo que necessita.
Em Vila do Conde, Lima voltou aos golos e ajudou o Benfica a ultrapassar um adversário que nunca colocou verdadeiramente em causa a vitória encarnada.
Na ausência de Cardozo, o despertar do brasileiro pode revelar-se um factor fundamental para os pupilos de Jorge Jesus manterem a pedalada na frente, numa altura em que se aproxima o fim da primeira volta do campeonato.
Nota ainda para a subida de forma de Rodrigo que, depois de decidir o jogo em Bruxelas diante do Anderlecht, voltou a facturar desta vez diante da equipa de Nuno Espírito Santo.
Em Alvalade, após uma vitória sofrida e com estrelinha frente do Guimarães, na semana passada, a equipa de Leonardo Jardim fez desta vez um jogo consistente, pincelado com alguns momentos de espectáculo e goleou o Paços de Ferreira por quatro a zero.
Destaque para o regresso aos golos de Fredy Montero, que já não facturava há quatro jogos na Liga, para a afirmação de Cédric na direita da defesa e para mais uma demonstração de classe do "miúdo" William Carvalho, cada vez mais um esteio no meio campo leonino.
Ao contrário dos últimos anos, o leão respira saúde e, mais do que isso, mostra uma equipa bem trabalhada, com processos definidos, onde cada peça sabe onde é seu lugar e o que o treinador espera dela.